De volta ao blog.
Faz um tempinho que não posto nada por aqui, e a verdade é que nesses últimos meses eu não me senti preparada para conversar sobre tudo o que estava acontecendo. Esse foi o ano mais difícil da minha vida profissional, tanto mentalmente como fisicamente, então por um lado estou mais do que feliz de dizer que a temporada acabou.
Nesse exato momento estou sentada no meio de caixas e sacolas no meu apartamento novo em Salzburg, aonde vou começar a trabalhar na companhia em três semanas, então vamos resumir.
Eu comecei a temporada com uma lesão mais do que teimosa, seguida pela minha carta de demissão. Ser demitida é uma coisa engraçada, é muito parecido com quando alguém te dá um pé na bunda em uma relação, por mais que você saiba que vá acontecer, por mais que você esteja de saco cheio desse emprego, quando a bendita carta de demissão chega, dói, e dói muito! Fora a vergonha. É a prova concreta de que seus serviços e esforços não são mais necessários ou bem vindos. E vamos combinar, ninguém almeja esse tipo de rejeição.
Eu tenho que admitir que a minha demissão não foi nem de longe uma surpresa, foi um longo e exaustivo processo, o que gerou no momento um certo alivio, para mim significava o fim da pressão e das ameaças, e eu finalmente sabia o que iria acontecer, só que não. Depois desse brevíssimo alivio, a minha ficha caiu: audição, eu estava lesionada havia um tempo e estava totalmente fora de forma. Eu já fiz audições o suficiente para saber que para chamar atenção em uma audição a pessoa tem que ir com confiança a mil, se sentindo linda maravilhosa, e a ultima coisa que eu estava me sentindo naquele momento era linda maravilhosa, eu estava triste, com vergonha, e agora pra pôr a cereja no topo completamente perdida sobre o futuro, ou seja… uma merda.
Foi aí que eu fiz a única coisa que eu podia imaginar nesse momento, peguei uma licença, e me dei tempo, tempo pra minha lesão, pra beber tequila durante a semana, pra visitar um amigo de última hora na Dinamarca, pra chorar, e pra literalmente curar o meu corpo e todas essa emoções que eu estava sentindo. E foi aí que as coisas começaram a melhorar.
Um certo dia, estava eu pronta pra ensaiar o primeiro ato de O quebra nozes quando meu amigo e de quebra partner nesse ballet, Reginaldo Oliveira diz: tenho uma coisa pra te contar, recebi um convite para ser o novo diretor em Salzburgo, e bum, a musica começou e a gente tinha que ensaiar, eu só lembro de perguntar se é pra rir ou pra chorar, mas claro já na gargalhada.
Quem lê sempre o blog já conhece o Reginaldo Oliveira e sabe como eu amo trabalhar com ele, então eu não estava somente super feliz por ele, como já estava morrendo de vontade de pedir uma audição. Então quando a oferta veio, eu nem hesitei, aceitei o emprego com o maior sorriso do mundo!
Mas desta vez, em vez de espalhar a noticia, eu esperei pacientemente até que todos contratos estivessem assinados, e ainda bem que eu esperei! Por mais que eu esteja super feliz de trabalhar com um coreógrafo no qual acredito e apoio cem porcento, despedidas são muito complicadas, então, novamente precisei de um pouco de tempo para lidar com todas essas emoções que me acompanham (espero que isso seja coisa de artista e não de gente doida).
E quando tudo estava um mar de rosas, veio a segunda lesão. Não aquela do tipo que acontece de uma vez, mas o tipo que fica anos escondida escolhendo a hora perfeita para atacar: ruptura parcial de um tendão na sola do pé, causada por inflamação constante devido ao esforço, em outras palavras, lesão por estresse. Quem é atleta sabe que esse é o Lord Valdemorte de lesões, elas demoram tanto para melhorar quanto demoram para ser produzidas, e quando não bem curadas se transformam em lesões crônicas. ou seja: lá vou eu de licença de novo.
Mas pela segunda vez na temporada aprendi que há males que vem para bem, nas seis semanas que eu fiquei de licença, encontrei um apartamento, me mudei, dei muitaaa atenção aos meus amigos fora do ballet e sobrou até tempo para uma pequena aventura na frança, então até que pra quantidade de dor, fui bastante produtiva. E de volta ao trabalho tive a oportunidade de dançar uma última vez nesse palco que me viu crescer.
Resumindo, o ano foi literalmente uma montanha russa, eu trabalhei e morei em Karlsruhe por sete anos, é o lugar onde eu cresci não somente como pessoa, mas como profissional. É onde eu fiz amizades que tenho certeza que vou levar para a vida, é aonde eu ando sem carteira pois sei que alguém vai me comprar um café ou um cheeseburger, ou por aquela tequila na conta pra pagar amanha, é onde o florista me dá o resto das flores todo sábado porque me viu chorando um dia (mal sabe ele o tanto que eu sou manteiga derretida). Karlsruhe é e vai ser a minha casa na Alemanha. E por mais que a despedida tenha sido difícil, eu ainda estou aqui, deitada na cama, coração batendo escrevendo esse texto. E mais uma vez lidando com mil emoções: triste pela parte da minha vida que acabou, muito agradecida pelas pessoas que cruzaram meu caminho e pelas amizades verdadeiras, orgulhosa de ver aonde eu cheguei, e morrendo de medo, mas muito ansiosa pelo futuro que está por vir….