Há seis meses eu empacotei minhas panelas e me mudei para Salzburgo para fazer parte da companhia de Ballet do Teatro Estadual de Salzburgo. O Teatro Estadual de Salzburgo é um Teatro lindo, construído em 1892 localizado no Centro da cidade. É considerado um Teatro pequeno, com 340 funcionários comparado com os 780 do Teatro de Karlsruhe. Mas mesmo que a casa seja menor, não deixa a desejar em quesitos de estrutura e qualidade. Em 2017 o Teatro Estadual de Salzburgo construiu um novo prédio de corpos artísticos. Com vários palcos de ensaio, duas grandes salas de ballet e uma vista das montanhas de tirar o fôlego, ir trabalhar todos os dias não é nenhum sacrifício.
Em um período de seis meses nós realizamos seis produções, entre elas três criações. Nada mal para um Companhia de dezoito bailarinos.

Vista do nosso centro de ensaios.
Bom, a nossa temporada começou com a re-estréia de “Der Fall M” (A queda de M), um ballet que eu tive a honra de dançar quando foi criado em 2014 por Reginaldo Oliveira. “Der Fall M” reestreou dia 26 de Outubro como parte de uma enorme produção chamada “Dionisio”, no teatro Felsenreitschule (essa produção merece seu próprio post). “Dionisio” foi a primeira produção do teatro na temporada e envolveu três corpos artísticos: Ballet, Opera e Teatro, além disso tivemos o acompanhamento da orquestra Mozarteum.
Como o Teatro de Salzburgo não possui uma orquestra própria, temos o luxo de usar a Orquestra Mozarteum para todas as produções com música ao vivo. O Mozarteum foi fundado em 1841 sob o áugure da viuva de Mozart, Constance, e seus dois filhos. A Orquestra foi premiada com a medalha de ouro de Mozart em Janeiro de 2016, e é considerada a embaixadora cultural da cidade nativa de Mozart: Salzburgo.
“Dionisio” foi um sucesso, e como foi nosso primeiro trabalho aqui, diria que começamos com o pé direito. Depois de seis apresentações esgotadas, começamos a aprender “O Quebra Nozes”.
O nosso “Quebra Nozes” estreiou em 2014 com uma versão por Peter Breuer e foi uma experiência especial pois foi a primeira vez que eu dancei no palco do Teatro Estadual de Salzburgo. Como eu já disse o Teatro é lindo, e apesar de pequeno com apenas 707 lugares não existe atmosfera melhor que a de uma casa antiga e tradicional. Além disso em “Quebra Nozes” eu tive o meu primeiro papel que consistia quase que somente de atuação (aguardem um post sobre isso). Não preciso mencionar que Quebra Nozes sendo Quebra Nozes foi um sucesso, com uma curta porem esgotada vida de cinco apresentações.
Entre “Quebra Nozes” e “Dionisio” nós também tivemos a re-estréia de “A noviça rebelde” que eu aprendi, mas ainda não tive a oportunidade de dançar, e o musical “Dr. Doolitle”.
Essa temporada também foi a primeira vez que eu tive que trabalhar no ano novo. O “Silvester Concert” é um concerto tradicional em Salzburgo, orquestrado pela Mozarteum no teatro chamado Große Festspielhaus. E esse ano nós tivemos a honra de apresentar três coreografias novas do nosso querido diretor Reginaldo Oliveira. Construído em 1956, O Festspielhaus tem capacidade de 2179 poltronas. E não que eu queira me gabar, mas mais uma vez tivemos a alegria de nos apresentar em uma casa lotada. O fato que todas as três coreografias foram criadas somente para esse evento o fez ainda mais especial, mas não posso deixar de mencionar o tamanho do trabalho envolvido. A essa altura do campeonato, muitos dos bailarinos estavam ensaiando três ballets diferentes por dia, e várias vezes tivemos que nos dividir entre ensaios, de fato que raramente conseguimos ensaiar com um elenco completo. Mas no mais puro espírito de o show tem que continuar, sobrevivemos com mais um sucesso para a lista!
Com os fogos de artifício explodidos era hora de eu me concentrar na próxima produção: “Os Rinocerontes”. Baseado na peça surrealista de Eugene Ionescu, “Os Rinocerontes” é um ballet de uma hora, coreografado pelo nosso ensaiador, Alexandre Korobko e os ex colegas, Kate Watson e Joseph Veseley. essa produção tem um lugarzinho especial no meu coração por ser criada para adolescentes entre 12 e 16 anos. A peça original de Ionescu conta a história de uma pequena cidade provinciana na qual os habitantes começam a se transformar em rinocerontes. A peça foi escrita como resposta ao aumento de suporte aos nazistas durante os eventos que precederam a Segunda Guerra Mundial, e oferece uma discussão que é super atual: o perigo de movimentos em massa e abuso coletivo. Depois das apresentações, nos sentamos com as crianças e temos a chance de ouvir suas opiniões e perguntas, e é um lembrete da razão pela qual amo o meu trabalho: a capacidade de educar, trazer um pouco de mágica e se possível plantar uma sementinha de controvérsia através da arte.
E finalmente, chegamos ao presente. A estréia de Rinocerontes aconteceu no dia 12 de janeiro, dia 15 começamos a criação de Cinderella, coreografado por Peter Breuer.
Para mim. a maior mudança foi não trabalhar somente em uma casa. Por um lado, a constante mudança de teatros oferece um pouco de ar fresco, mas eu sinto a falta de entrar em um teatro e me sentir em casa, de conhecer a todos pelo primeiro nome, e encontrar colegas de outros setores durante o dia, e claro, talvez mais do que tudo, eu sinto a falta da nossa cantina. Se você ainda não sabe, a cantina de Karlsruhe é a melhor cantina do mundo, mas Salzburgo também não fica para trás! O outro fato que mais chamou a minha atenção é que o trabalho em uma casa menor é mais intenso em todos os sentidos da palavra, uma companhia menor significa mais trabalho para todos envolvidos, para que se mantenha a qualidade demandada de um teatro com a tradição de Salzburgo. Por mais que seja cansativo, essa é de longe a minha parte preferida da minha nova vida. Estou muito feliz de estar exausta, pois como vocês bem sabem, na minha opinião a carreira é muito curta para não ser dançada ao máximo!