Guerreiros vem em todos os tipos e tamanhos, com armadura de prata ou uniforme de policia, e, acreditem ou não, conheço vários de sapatilha de ballet!
Um desses é Pablo Otavio, com apenas 25 anos ele é primeiro bailarino do Staatsballet Karlsruhe, na Alemanha, onde trabalhamos juntos por quatro anos. Seu talento natural e técnica impecável são motivos de inveja, e sua vontade incansável de trabalhar é admirável! Ele driblou algumas lesões sérias, incluindo uma cirurgia no quadril, mas está de volta aos palcos e brilhando mais do que nunca, e é por isso que eu quis dividir um pouquinho da história dele aqui.
Brasileiro de natureza, Pablo começou a dançar só por causa do irmão mais velho, Jonathan, que também é bailarino profissional da Gauthier Dance, em Stuttgart na Alemanha. “Meu irmão sempre foi muito conectado à dança, e sempre criava coreografias de axé quando éramos crianças. Um dia, quando eu tinha uns nove anos, uma professora de ballet viu uma de suas coreografias em um evento da escola e o levou para fazer aula, e foi assim que tudo começou. Depois de um tempo, eu fui fazer aula também e nunca mais paramos de dançar, mesmo mudando bastante de cidades.”
Sua maior mudança foi ir morar na Alemanha aos dezesseis anos, ” eu ganhei uma bolsa de estudos no Seminário Internacional de Dança de Brasília para a faculdade de dança e música de Mannheim, e claro que essa era uma oportunidade que eu não poderia deixar passar! No Brasil, infelizmente, a dança assim como a arte ainda não é priorizada, diferentemente da Alemanha que oferece aos bailarinos grandes oportunidades e um suporte incrível. Eu me formei na escola em três anos e fui trabalhar No Staatsballet em Karlsruhe.”
Mas mesmo com todo esse talento ele não achava que seria bailarino, “Eu nunca levei muito a sério, eu sabia que amava dançar e foi a melhor maneira que eu encontrei de me expressar.” Mas depois de trabalharmos juntos posso garantir que ele leva a dança muito a sério! E todos nós temos muito a agradecer à Europa: “O valor que a arte tem na Alemanha faz toda a diferença na vida do artista. Poder trabalhar com aquilo que se ama, não tem preço!”
Em 2016 Pablo fez uma cirurgia no quadril que o manteve longe da luz dos palcos por seis meses, sem dúvida um dos pontos baixos de sua carreira, “É muito complicado quando não sabemos se o corpo vai se recuperar, e se ele se recuperar, se estaremos no mesmo nível de antes, todo esse processo requer muita paciência e determinação.” Logo depois de voltar a dançar ele caiu novamente e quebrou o pé, o que o mandou de volta para o centro de rehabilitação. “Eu tenho muito a agradecer aos médicos do Centro de recuperação de Geselkirchen na Alemanha. Os profissionais especializados em tratar atletas não me trataram somente fisicamente, mas também mentalmente para que eu pudesse voltar a dançar o mais rápido possível.”
E como qualquer outro guerreiro, ele aprendeu muito com suas lesões, “Não podemos levar tudo tão a sério, e preparação física preventiva é crucial nos dias de hoje! Vivemos em um mundo onde atletas vencem seus limites mais do que nunca, o balé de hoje requer muito mais do nosso corpo que antigamente. Além disso, o acompanhamento de profissionais especializados também é muito importante, quando se lida com atletas é importante saber exatamente o que o nosso corpo precisa, é tudo muito especifico.”

Romeo, in Romeo and Julia.
Quando perguntado sobre os pontos altos de sua carreira ele disse que tinha alguns, como Romeo, da versão de McMillan, “é um papel tão técnico mas com uma história tão profunda, que me fez esquecer de tudo e viver o máximo que o personagem te pede. Outro papel marcante foi Kitty, de O diário de Anne Frank, coreografado por Reginaldo Oliveira, esse papel me fez crescer muito como artista, e arrancou de mim muitos sentimentos. E por último eu dancei um ballet coreografado pelo meu irmão em uma gala em Karlsruhe, depois de dez anos! Esse ballet me levou de volta ao começo de tudo, me mostrou o quanto nós dois já conquistamos, e o quanto eu sou agradecido por tudo.”

Kitty, in Anne Frank
Para o futuro ele mantém segredo sobre os seus planos, “Eu tenho alguns sonhos, mas tento ficar focado no que estou fazendo no momento. As vezes criamos muitas expectativas e esquecemos de viver o agora.” Mas ele confessou que Balanchine e Forsythe são coreógrafos que ainda deseja ousar dançar! Terminando eu perguntei se ele teria algum conselho para os bailarinos mais jovens, “eu diria à eles para escolherem seu próprio caminho, na vida não somente temos que lidar com nossas dores e alegrias, mas também temos que respeitar e lidar com os sentimentos daqueles ao nosso redor, cada um de nós tem o direito de escolher o que quiser. Por isso não se compare aos outros, quando estamos bem com nós mesmos e trabalhamos duro, o crescimento é inevitável, e nada que aconteça à nossa volta pode nos afetar. Não é o caminho mais fácil, mas vale a pena tentar.”
E como já dizia o samba:
Guerreiro não foge da luta e não pode correr,
Ninguém vai poder atrasar quem nasceu pra vencer.